Por muitos anos os transformadores para retificadores/inversores falharam devido ao envelhecimento precoce causado por aquecimento excessivo. Com o tempo e a elaboração de várias normas (IEEE C57.110 e IEC 61378 são bons exemplos) o efeito das componentes harmônicas de corrente foi se tornando mais conhecido e devidamente associado ao sobreaquecimento nos enrolamentos dos transformadores.
A figura seguinte nos ajuda a entender como era o fluxo de potência nestes sistemas. O importante é notar que o sistema de potência impõe a tensão e o inversor e a carga vão definir a forma de onda da corrente.
Hoje todos sabemos que as harmônicas de corrente fazem com que as perdas do transformador que dependem da frequência aumentem. Essas perdas são as parasitas nos enrolamentos ou em vigas, tanque e outros elementos metálicos, devido ao campo disperso. Para piorar, as perdas parasitas geralmente são mais intensas nas extremidades dos enrolamentos e o incremento delas afeta diretamente o ponto mais quente do transformador (o hot-spot). Essa era a causa de tantas falhas nos transformadores, já que a temperatura do hot-spot é o fator que mais influencia na vida útil destes equipamentos. Se costuma dizer que a cada 6 °C a mais no hot-spot, a vida útil do transformador cai pela metade (na verdade, é um fato e consequência da aplicação da equação de Arrhenius, a IEC 60076-7 explica adequadamente).
As normas citadas acabaram definindo algumas grandezas que nos ajudam a definir com mais facilidade o impacto das harmônicas de corrente nos transformadores. O ‘Fator K’ e o ‘FHL’ são algumas formas de expressar o aumento das perdas parasitas no transformador. Nas aplicações para retificadores, valores de Fator K entre 4 e 8 eram comuns, podendo chegar até 13 ou mais para algumas aplicações mais extremas e onde não eram aplicados filtros.
Vale lembrar que as configurações de transformadores multipulsos, como 12, 18 e 36 ajudam a reduzir as componentes que são transmitidas para a rede (são drenadas da rede, na verdade). Quanto à ordem das componentes harmônicas nestes transformadores para retificadores, as mais significativas eram 5ª e 7ª seguidas da 11ª e 13ª e assim por diante, sempre no padrão N*6±1, sendo N um número natural, porém, quanto maior a ordem da harmônica, menor é a amplitude dela. Quem não lembra dos ábacos do livro do Prof. Ivo Barbi?
Existe ainda outra grandeza relevante nesse contexto que é a taxa de distorção da tensão e da corrente, THDv e THDi. Nesses casos de transformadores para retificadores, não são raros THDi maiores que 15%.
Agora vamos ver o que ocorre em um parque de geração fotovoltaica, os parques solares. Como a figura seguinte indica, agora temos um fluxo diferente. Já não é mais tão claro quem impõe a corrente ou a tensão, mas o fato é que a corrente do transformador coletor é a soma da corrente de todos os transformadores unitários. E estes parques precisam atender uma condição bem específica de qualidade de energia: THDi menor que 5%.
Isso nos indica que as harmônicas de corrente geradas pelos geradores fotovoltaicos são menores do que nos sistemas retificadores comentados na introdução. E é isso exatamente que acontece. O requisito da qualidade de energia é um dos motivos para tanto, mas existem outros pontos importantes. Um deles é a ordem das harmônicas, ao contrário dos retificadores, as harmônicas nos geradores fotovoltaicos dependem da frequência de comutação dos semicondutores (atualmente silicon-carbide é o mais comum), que pode chegar até 4 kHz. As harmônicas principais serão múltiplos da frequência de chaveamento, portanto, em um sistema em 60 Hz, começarão perto da ordem 66 e serão relevantes novamente na ordem 132. O ponto positivo é que quanto maior a ordem da harmônica, mais fácil de filtrar e, sem dúvida, os sistemas fotovoltaicos fazem isso (como é citado aqui).
No final das contas, é pouco provável que em algum caso o transformador seja submetido a algum Fator K maior que 3. Não que isso seja irrelevante, mas é uma mudança significativa em relação às aplicações anteriores que envolviam eletrônica de potência e precisamos pensar duas vezes antes de atribuir algum aquecimento excedente às harmônicas de corrente. E mais uma coisa interessante, utilizar transformadores multipulsos não ajuda em nada, já que as harmônicas de baixa ordem não estão presentes.
O objetivo deste artigo é mais expositivo, com o intuito de nos fazer pensar um pouco mais a respeito destas aplicações que são tendência não apenas no Brasil.
Texto elaborado por: Odirlan Iaronka
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