Será que existe um ponto de equilíbrio na relação entre as grandezas Potência X Tensão para o projeto de transformadores? Não há registros na literatura (não identificados por mim, pelo menos) que esta relação existe plenamente definida, mas, quando o transformador tem características que destoam muito entre seu nível de tensão e potência de operação, são gerados alguns desafios técnicos que devem ser totalmente contornados ainda na fase do cálculo e projeto para uma garantia de operação plena deste equipamento em campo.
Já foi abordado no artigo anterior Os desafios do projeto de transformadores de baixa tensão e potência elevada e agora, neste artigo, serão abordados os desafios técnicos do projeto de transformadores de baixa potência para sistemas de alta tensão. As características abordadas neste artigo poderão ser aplicadas de forma abrangente, mas para estabelecimento de uma referência pode-se considerar os transformadores de classe de tensão ≥138 kV e potência trifásica de até ≤15 MVA (ou respectivamente potência monofásica de até ≤5 MVA).
Características construtivas dos enrolamentos e a distribuição das capacitâncias
De um modo geral, os pontos mais críticos do projeto destes transformadores de baixa potência que vai ser submetido à elevados níveis de tensão está relacionado, principalmente, ao dimensionamento dielétrico do isolamento dos enrolamentos. As dimensões reduzidas dos fios e, também, dos próprios enrolamentos (tamanho reduzido por causa da baixa potência), definem valores bastante específicos para as capacitâncias internas, as quais são utilizadas nos modelos gerados para o cálculo da distribuição dos esforços dielétricos internos.
De um modo geral, observa-se uma tendência de diminuição da capacitância série e uma alteração não diretamente proporcional no valor da capacitância paralela, alterando o fator alfa (𝛼) que é utilizado para calcular a distribuição de tensão no enrolamento (fator de amortecimento do sinal de tensão ao longo do enrolamento). Esta alteração não sincronizada da capacitância série em relação à paralela pode causar uma distribuição de tensão atípica internamente ao enrolamento que, caso esta condição não seja prevista no projeto, pode causar um comprometimento do isolamento, principalmente na região das espiras na entrada do enrolamento.
Distribuição do campo elétrico nos enrolamentos
Os enrolamentos de um transformador com um nível de tensão elevado e baixa potência vão apresentar uma concentração de campo elétrico nas cabeceiras das bobinas por dois motivos principais:
- O primeiro motivo é que a dimensão radial destes enrolamentos é relativamente menor e, como já bem definido na literatura, o campo elétrico tem uma amplitude mais elevada em elementos potencializados com características geométricas dotada de raios pequenos. Essa condição que gera uma dimensão radial dos enrolamentos bastante reduzida dificulta, inclusive, a inserção de elementos para equipotencializar o campo elétrico nas cabeceiras, como por exemplo, anéis equipotenciais e elementos isolantes para sobre isolamento deste pontos críticos (capas e outros materiais isolantes moldados).
- O segundo motivo está relacionado à grande diferença de diâmetros dos enrolamentos de baixa e alta tensão. Como nesta configuração é gerado um elevado esforço dielétrico nas cabeceiras dos enrolamentos (em função da espessura versus distância entre eles), o canal de isolamento entre de baixa e alta tensão é relativamente grande, alterando assim a distribuição do campo elétrico e aumentando a exigência dielétrica mais próxima do enrolamento de menor diâmetro. Para a visualização deste fenômeno foi utilizado um software de elementos finitos uma simulação numérica de um modelo simplificado de 2 enrolamentos concêntricos de diâmetros bastante distintos, mostrado na figura a seguir. Observa-se nos resultados da figura a seguir que o campo elétrico não é constante no canal de isolamento entre enrolamentos e apresenta um decaimento não linear com um valor muito mais elevado próximo ao enrolamento de menor diâmetro (para enrolamentos de diâmetros semelhantes o campo elétrico no canal de isolamento entre eles tem uma característica mais estável e com menor amplitude).
Projeto do enrolamento de regulação
No projeto dos transformadores de menor potência utiliza-se relativamente mais espiras para se obter um projeto equilibrado para um mesmo nível de tensão. Deste modo, os enrolamentos de regulação, que são concebidos normalmente para ajustes de até 10% em passos de 1,25%, devem ser projetados considerando este número maior de espiras. Para exemplificar, mantendo o mesmo nível de tensão de um transformador (por exemplo 138/13,8kV) e diminuindo a sua potência, o número de espiras de cada passo da regulação se altera aproximadamente conforme a tabela a seguir:
Características dos elementos de ligação dos enrolamentos
Transformadores de baixa potência e alta tensão têm níveis de corrente bastante reduzidos e, por isso, se considerar somente a corrente para o dimensionamento dos cabos e elementos de ligação da parte-ativa pode ocorrer o surgimento de um campo elétrico muito elevado, maior inclusive que a suportabilidade dielétrica do fluido isolante, gerando condições para o rompimento dielétrico (descarga elétrica). Deste modo, nestes casos é necessários dimensionar o diâmetros do condutor e seu respectivo isolamento considerando o nível de tensão que será imposto a estes pontos do transformador, durante os ensaios de liberação do equipamento ou depois em operação.
Distribuição do campo elétrico em elementos de ligação da parte ativa.
Fonte: Dissertação de Odirlan Iaronka disponível Neste Link.
Considerações finais
O objetivo deste artigo foi descrever alguns pontos do projeto que devem ser observados quando se trata de projeto para transformadores de baixa potência submetidos a exigências dielétricas de sistemas de alta tensão. De um modo geral, os pontos mais críticos estão relacionados ao isolamento dielétrico destes transformadores, o qual deve ser avaliado e redimensionado para maior de acordo com o resultados obtidos durante etapa de concepção inicial do cálculo e projeto. Para esta avaliação, por exemplo, pode se utilizar formulação analítica quando se trata de geometrias conhecidas e ou ferramentas de simulação em elementos finitos e ferramentas numéricas quando se trata de geometrias complexas ou sem características que possibilitem aplicar os estudos com simetria planar ou axissimétrica.
Agora, cabe aqui um comentário relacionado ao custo de fabricação/aquisição destes transformadores especiais abordados nos últimos artigos (Artigo 01: Transformador de baixa tensão e alta potência – abordado no artigo anterior e Artigo 02: Transformador de alta tensão e baixa potência – aqui abordado): as duas situações aumentam o preço do ativo em função da quantidade de matéria prima necessária que é adicionada no projeto elétrico, magnético, térmico e mecânico para garantir a mesma margem de segurança de equipamentos com uma relação equilibrada para as grandezas Potência X Tensão.
Texto elaborado por: Odirlan Iaronka
Contato: [email protected]
Fonte: Dissertação de Odirlan Iaronka disponível neste link.